O PARADOXO DO FEN MENO RELIGIOSONO IN CIO DO MIL NIO

10173 palavras 41 páginas
Persp. Teol. 34 (2002) 63-88

O PARADOXO DO FENÔMENO RELIGIOSO
NO INÍCIO DO MILÊNIO

João Batista Libanio SJ

Cansamo-nos dos profetas da morte da religião. Variam as formulações. O poeta alemão Heine sentia no coração um frêmito de compaixão ao ouvir o repicar dos sinos que anunciavam a morte de Javé. Sob diversos sentidos, repetiu-se a frase hegeliano-nietzschiana de que
“Deus morreu”.
Cansamo-nos também de constatar o pipocar religioso como resposta inesperada, embora antecipada, de uma secularização que caminhava a passos rápidos para o secularismo.
A Ilustração considerava a religião e os tempos medievais com o desprezo com que a luz olha para escuridão, a inteligência para o obscurantismo, a razão para os mitos, a consciência para a sonolência alienada, a crítica adolescente para a piedade infantil. A primeira inocência não parecia suportar a explosão iconoclasta do despertar juvenil.
De todo esse embate, o que sobrou no momento atual? O que se passa com esse sujeito pós-moderno, que mistura ateísmo com religião, conjuga fé com superstição, goza hedonisticamente do gosto místico do transcendente, deixa os sociólogos da religião desarmados, ilude muitos corifeus eclesiásticos com uma freqüência religiosa massiva?
Tudo convergia para o silêncio da religião. “Quase todos os antropólogos da minha geração — creio —”, assim escrevia um deles, “sus63

tentariam que a fé religiosa é uma ilusão, um curioso fenômeno que logo será extinto e que poderá ser explicado com expressões tais como
‘compensação’ e ‘projeção’, ou, como estabelecem algumas interpretações sociológicas, algo que diz respeito à manutenção da solidariedade social”1.
As teses fundamentais de S. Freud e K. Marx impunham-se, solenemente. “(As idéias religiosas) são ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade. O segredo de sua força reside na força desses desejos”2. “O homem é o mundo dos homens, o estado, a sociedade. Este estado, esta sociedade produzem a religião,

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