O Objeto da Antropologia
Marcio Goldman
Um dos traços mais marcantes do desenvolvimento das pesquisas antropológicas nos últimos 50 anos parece ser o progressivo deslocamento de seu objeto. Se até a década de 40 a antropologia podia, com certa justiça, ser considerada a ''ciência das sociedades primitivas'' (concepção que subsiste até hoje, mesmo no senso comum ilustrado), a partir de então aquilo que, por contraste, se convencionou denominar ''sociedades complexas'' passou a atrair, cada vez mais, a atenção dos antropólogos.
Isso não significou o abandono do estudo das ''outras'' sociedades, mas uma problematização da própria noção de alteridade, convertendo nossa sociedade em objeto de estranhamento, observável de uma perspectiva ''outra'' (o que, grosso modo, distingue a perspectiva antropológica da sociológica). Ao mesmo tempo, tornou-se possível encarar com seriedade ainda maior as ''outras'' sociedades (o que afasta a antropologia das descrições exotizantes).
Esse deslocamento levantou questões sobre a manutenção das abordagens clássicas e sobre a relação da antropologia com as culturas que estuda. Questões sobre o objeto, a perspectiva e o sentido da antropologia, que se situam entre as que ocuparão a linha de frente das pesquisas antropológicas nos próximos anos.
Complexidade
A oposição entre sociedades ''simples'' e ''complexas'' representa mais uma forma de enunciar a dicotomia que marcou a história da antropologia e do pensamento ocidental como um todo. As ''grandes divisões'' sempre serviram como instrumento ligado sucessivamente às aspirações de conquista (''pagão-cristão''), exploração (''selvagem-civilizado'') e administração (''tradicional-moderno'') das ''outras'' sociedades. Essas divisões ainda se manifestam hoje, especialmente a última, presente não apenas em algumas correntes da própria antropologia, como também em diversos projetos de hegemonia sociopolítica empreendidos nos Estados-nação contemporâneos.
A relação dos antropólogos