O nascimento da clínica
Michel Foucault
1.
O livro de 1963, se enquadra , dentro da classificação proposta pelo professor Sérgio Adorno, na fase arqueológica de Foucault. Grosso modo, o livro procede uma arqueologia acerca da constituição do saber clínico na Modernidade, fazendo questão de se estruturar na busca pelas condições de possibilidade desta gênese. Assim, trata-se da reconstrução da passagem da antiga para a nova medicina, tecendo uma linha suficientemente capaz de nos fazer entender como o saber médico deslocou-se de uma nosologia caracterizada pela fantasia imaginativa para a descrição exaustiva daquilo a que se apresentava ao olhar.
O olhar é o ponto nevrálgico das transformações do saber médico ocorridas na virada do século 18 para o século 19 (sim, há uma relação com os ditames pós revolucionários). Houve, portanto, uma reorganização na forma pelo qual o olhar do médico se encontrava com a doença. Mudança esta que promoveu uma nova aliança entre as palavras e as coisas, permitindo ver e dizer.
Na antiga medicina a pergunta do médico ao doente seria “o que há com você?” na nova medicina a pergunta seria “onde dói?”. Foucault entende que a condição de possibilidade para esta virada foi a criação da anatomia patológica, por sua vez possibilitada pela abertura dos cadáveres e, portanto, da transformação do olhar acerca da doença, algo que, por sua vez, trouxe um impacto colossal não só a prática clínica como para o campo das ciências do homem como um todo. Uma nova discursividade estava instaurada.
Ao correlacionar a emergência da nova medicina com uma transformação do olhar médico sobre a doença, faz-se necessário ressaltar a mudança de posição da morte no campo da medicina. Na passagem da antiga para a nova medicina, a doença se desprende da metafísica com quem, há séculos, estava aparentada, encontrando na visibilidade da morte seu conteúdo positivo. A chave de compreensão desta virada está na inversão da relação da doença com a