O lustre
Clarice Lispector
Biografia e introdução de: Assis Brasil
Ediouro Publicações S. A.
ISBN 85-00-30679-3
Introdução
Assis Brasil
O que espantou os críticos literários e leitores, nos primeiros livros de
Clarice Lispector, foi a autora ter rompido, bruscamente, com a tradição do enredo linear e objetivo, e com as descrições realistas, exteriores. E que ela
estava mais interessada nos "desvãos da alma", como disse um crítico, do que propriamente nas peripécias das ações episódicas.
O Lustre, seu segundo romance, é bem um exemplo do que acabamos
de afirmar. E um romance "penetrante", como muito bem disse Tristão de
Athaíde. "Não passa como um vento. Penetra como um pesadelo." Um outro crítico, Antônio Cândido, ficou espantado com a capacidade de
Clarice Lispector "captar nuanças da vida interior".
O Lustre é, assim, a vida interior de Virgínia, o personagem central da narrativa, mas a sua trajetória intimista não é menos fascinante do que um empolgante enredo de muitos episódios. É também um romance de
muitos símbolos, muitas mensagens: há um chapéu de um afogado, no começo, que reaparecerá no final do livro, e há um lustre, de um casarão,
onde Virgínia e o irmão Daniel passaram a infância e que é sempre um ponto de convergência do seu passado e de sua volta. Quando o
personagem deixa Granja Quieta, e que lembra Virgínia no trem é o fato de ter saído do casarão e não ter olhado para o velho lustre.
Para alguns críticos, o lustre representa a procura da Luz pelo
personagem, já que a sua vida interior sempre fora triste e vivida em função
da morte. Virgínia lembra no trem: "Que pena, disse surpreendida. Que pena, repetiu-se com arrependimento. O lustre... Olhava pela janela e no vidro descido e escuro via em mistura com o reflexo dos bancos e das
pessoas o lustre. Sorriu contrita e tímida. O lustre implume. Como um grande e trêmulo cálice d'água. Prendendo em si a luminosa transparência alucinada o