o homem do sam lun che
O menino apareceu certa manhã húmida de Março à porta do convento. Era de idade à volta dos seis meses, feições mistas de chinês e europeu, pele clara. Uma criança perfeita, embrulhada em flanelas encarnadas e um amuleto de osso no pulso.
Naturalmente que as rezas se atrasaram no coro, essa manhã. Necessário alimentar o menino, que chorava alto chupando no dedo, trocar-lhe as roupas frias por panos aquecidos. Um alvoroço entre as monjas mais novas. Preocupação e dó no rosto severo da abadessa.
Não era a primeira vez que na portaria do convento apareciam crianças abandonadas. Sempre, porém, meninas recém-nascidas. Por vezes as próprias mães iam lá oferecê-las. Os pais não as queriam. Tinham de desfazer-se delas de qualquer jeito. As madres tentavam uma conciliação, prometiam a farinha, o enxoval, acabando por receber as pobrezinhas e enviá-las para a creche, donde, na devida altura, passavam ao asilo das órfãs.
Algumas dessas enjeitadas tornavam-se mais tarde irmãs conversas; outras ficavam empregadas da casa, bordadeiras. Havia um rumo a dar-lhes quando atingissem a idade adulta. Eram chamadas filhas-da-caridade. Rapaz, contudo, parecia muito mais complicado. Onde o poriam depois da creche? Decerto que a mãe estava mesmo desesperada para assim abandonar um filho varão.
As criadas bisbilhotavam: «Mãe desnaturada! Filho macho, a maior felicidade de qualquer mulher! Bailarina, com certeza, rapariga de vida fácil, alma sem sentimentos, sem dignidade.»
A gorda irmã porteira, que fora a primeira a ver o menino, impunha silêncio. Quem poderia dizer o que levara a mãe a repudiar o filho? Na realidade, ela o aguentara até àquela idade… Quem sabia do drama de tal separação? Rezar por ela, sim, a única coisa que valia a pena.
Claro que a madre superiora não recorreu às autoridades nem tentou investigações, porque tudo seria infrutífero. Impossível descobrir a família do exposto num tão confuso mundo: refugiados dos mais diversos pontos da China,