O Grande Passeio
Passeio
Felicidade Clandestina
Autora: Clarice Lispector
O Grande Passeio
Era
uma velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo. Os olhos lacrimejavam sempre, as mãos repousavam sobre o vestido preto e opaco, velho documento de sua vida. No tecido já endurecido encontravam-se pequenas crostas de pão coladas pela baba que lhe ressurgia agora em lembrança do berço. Lá estava uma nódoa amarelada, de uma ovo que comera há duas semanas. E as marcas dos lugares onde dormia. Achava sempre onde dormir, casa de outro. Quando lhe perguntavam o nome, dizia com a voz purificada pela fraqueza e por longuíssimas anos de boa educação:
— Mocinha.
As pessoas sorriam. Contente pelo interesse despertado , explicava:
— Nome, nome mesmo, é Margarida.
O corpo era pequeno, escuro, embora ela tivesse sido alta e clara, Tivera pai, mãe, marido, dois filhos. Todos aos poucos tinham morrido. Só ela restara com os olhos sujos e expectantes quase cobertos por um tênue veludo branco. Quando lhe davam alguma esmola davam-lhe pouca, pois ela era pequena realmente não precisava comer muito.
Quando lhe davam cama para dormir davam-lhe estreita e dura porque Margarida fora aos poucos perdendo volume. Ela também não agradecia muito: sorria e balançava a cabeça.
Dormia agora, não se sabia mais por que motivo, no quarto dos fundos de uma casa grande, numa rua larga cheia de árvores, em Botafogo. A família achava graça em Mocinha mas esquecia-se dela a maior parte do tempo. É que também se tratava de uma velha misteriosa. Levantava-se de madrugada, arrumava sua cama de anão e disparava lépida como se a casa tivesse pegando fogo. Ninguém sabia por onde andava. Um dia uma das moças da casa perguntou-lhe o que andava fazendo. Respondeu com um sorriso gentil:
— Passeando.
Acharam graça que uma velha, vivendo de caridade, andasse a passear. Mas era verdade.
Mocinha nascera no Maranhão, onde sempre