O futuro da democracia
1. Premissa não solicitada
Convidado a apresentar uma comunicação sobre o futuro da democracia — tema sob todos os aspectos insidioso — defendo-me com duas citações. Em suas lições sobre a filosofia da história na universidade de Berlim, Hegel, respondendo a um estudante que dele queria saber se os Estados Unidos deveriam ser considerados como o país do futuro —, assim se manifestou, visivelmente irritado: "Como país do futuro, a América não me diz respeito. O filósofo não se afina com profecias (...) A filosofia ocupa-se daquilo que é eternamente, ou melhor, da razão, e com isto já temos muito o que fazer"1. Na sua célebre conferência, proferida aos estudantes da universidade de Mônaco no final da guerra, sobre a ciência como vocação, Max Weber assim respondeu aos seus ouvintes que lhe pediam insistentemente um parecer sobre o futuro da Alemanha: "A cátedra não existe nem para os demagogos nem para os profetas"2.
1. G. W. Hegel, Vorlesungen uber die Philosophie der Geschichte, I: Die Vernunft in der Geschichte. Meiner, Leipzig, 1917, p. 200.
2. Max Weber, "La scienza come professione", in II lavoro intellettuale come professione, Einaudi, Torino, 1948, p. 64. (Trad. bras. Política e ciência. Duas vocações, Cultrix, São Paulo).
Mesmo quem não esteja disposto a aceitar as razões alegadas por Hegel e por Weber e as considere apenas um pretexto não pode deixar de reconhecer que o ofício do profeta é perigoso. A dificuldade de conhecer o futuro depende também do fato de que cada um de nós projeta no futuro as próprias aspirações e inquietações, enquanto a história prossegue o seu curso indiferente às nossas preocupações, um curso aliás formado por milhões e milhões de pequenos, minúsculos, atos humanos que nenhuma mente, mesmo a mais potente, jamais esteve em condições de apreender numa visão de conjunto que não tenha sido excessivamente esquemática e portanto pouco convincente. £ por isto que as previsões feitas