O DISPOSITIVO TELEVISIVO
(de ‘O Fenómeno Televisivo’, de F. R. Cádima, Círculo de Leitores, Lisboa,
1995))
A relação dos media com o mundo - e designadamente a relação específica da "máquina" televisiva - é, no seu complexo campo reticular de produção de saber e fazer, simultâneamente desestabilizadora e apaziguadora, na medida em que a prosa precária que a televisão induz, emerge ora como momento fundador de visibilidade, ora como instrumento de verdade do qual não devem ser iludidos os seus dispositivos, os seus poderes e os seus limites.
A televisão é, por excelência, uma máquina produtora de redundância, isto é, recicla continuamente no seu dispositivo e organiza no seu fluxo discursivo, um novo espaço-tempo, uma visão do mundo generalista e compósita. Como se se tratasse de uma grande estrutura narrativa que faz circular em torno de esquemas invariantes um fluxo contínuo e homogéneo de programas. Existe, por assim dizer, uma acção socializante do imaginário televisivo que se configura nos modelos estabilizados das suas "grelhas" de programação e das suas formas de representação do mundo, as quais conduzem, grosso modo, ao espectáculo de ritualização da cultura e da informação. Sintoma, cujo princípio de realidade se manifesta sem se autodesignar, isto é, trabalha num registo de ilusão naturalista e de criação de efeitos de legitimação tendo por horizonte de conhecimento o seu contrato de visibilidade e de credibilidade com o telespectador, um horizonte de acontecimento, em suma.
Daí, o dispositivo televisivo parte para a construção do seu "puzzle" - ou da sua "cultura-mosaico", como dizia Abraham Moles. Toda a sua complexa organização discursiva, o seu dispositivo logotécnico, tem como primeira acção do seu interface - do seu écran de univocidades -, solicitar a capacidade de
identificação do telespectador enquanto parte da audiência, envolvendo-o num fluxo de tempo sem memória e imaterial, pelo carácter efémero de