O corpo utópico
A conferência “O corpo utópico”, de 1966, integra o livro El cuerpo utópico. Las heterotopías, cuja versão espanhola acaba de ser publicada (Ed. Nueva Vision). Esta versão está publicada no jornal argentino Página/12, 29-10-2010. A tradução é do Cepat.
Eis a conferência.
Basta eu acordar, que não posso escapar deste lugar que Proust [A recuperação do corpo no processo do acordar é um tema recorrente na obra de Marcel Proust – Nota da Redação], docemente, ansiosamente, ocupa uma vez mais em cada despertar. Não que me prenda ao lugar – porque depois de tudo eu posso não apenas mexer, andar por aí, mas posso movimentá-lo, removê-lo, mudá-lo de lugar –, mas somente por isso: não posso me deslocar sem ele. Não posso deixá-lo onde está para ir a outro lugar. Posso ir até o fim do mundo, posso me esconder, de manhã, debaixo das cobertas, encolher o máximo possível, posso deixar-me queimar ao sol na praia, mas o corpo sempre estará onde eu estou. Ele está aqui, irreparavelmente, nunca em outro lugar. Meu corpo é o contrário de uma utopia, é o que nunca está sob outro céu, é o lugar absoluto, o pequeno fragmento de espaço com o qual, em sentido estrito, eu me corporizo.
Meu corpo, topia desapiedada. E se, por ventura, eu vivesse com ele em uma espécie de familiaridade gastada, como com uma sombra, como com essas coisas de todos os dias que finalmente deixei de ver e que a vida passou para segundo plano, como essas chaminés, esses telhados que se