O corpo na filosofia de Nietzsche
Nietzsche e o corpo, de Miguel Angel de Barrenechea, trata de um dos principais temas da filosofia nietzschiana, a questão que se tornou uma das mais prementes da contemporaneidade: o estatuto, lugar e valor do corpo humano. Com sua recorrente ironia, Nietzsche chegou a indagar se até então a filosofia não teria passado de “uma má compreensão do corpo” (FW/GC, Prólogo, §2), posto que a atenção dada pela tradição à investigação de suas funções e potencialidades teria sido escassa e insipiente. Em contraposição a essa postura – que relegou os sentidos, instintos, afetos e pulsões a segundo plano – ele afirmava, por exemplo, que as “pequenas coisas” como
“alimentação, lugar, clima, distrações” são “inconcebivelmente mais importantes do que tudo o que até agora tomou-se como importante” (EH/EH, "Por que sou tão inteligente",
§10). Porém, mais do que valorizar e enaltecer o corpo humano, sua originalidade consiste em tê-lo reinterpretado e ressignificado, fazendo com que assumisse sentidos até então inexplorados.
O livro sugere que Nietzsche concebe o corpo enquanto o fio condutor de seus pensamentos, não apenas sobre “questões diretamente vinculadas ao homem – ética, estética, política”, mas também sobre “todos os problemas filosóficos”.
(BARRENECHEA, p. 09) Nessa direção, no primeiro capítulo, Barrenechea situa a crítica nietzschiana em relação a algumas das mais influentes concepções de corpo, particularmente a da filosofia socrático-platônica e a da doutrina judaico-cristã. O autor enfatiza que o “martelo” de Nietzsche ataca os falsos ídolos forjados pelas dicotomias metafísicas que opunham alma e corpo, além-vida e mundo, Deus e natureza. Também atenta para o fato de que a crítica nietzschiana não incide apenas sobre o dualismo, mas igualmente sobre a própria noção de substância ou coisa, por esta se basear em uma pretensa estabilidade e identidade entre a consciência, a alma e o