O cavaleiro
Foi grande, sem dúvida, a revolução que, durante o século X, eliminou praticamente a velha divisão da sociedade em liberi e servi, para substituir essa antiga dicotomia
— bem mais antiga, como se sabe, do que as civilizações judaica, românica e germânica onde o Ocidente ia buscar a sua origem cultural — pela distinção, mais prática e significativa, em milites e rusíici, que implicava a criação de um limite preciso, não já no domínio normativo-institucional, mas no domínio das funções sociais e dos tipos de vida, entre aqueles (poucos, no fundo) que tinham o privilégio de utilizar as armas e combater e que, por esse motivo, estavam normalmente isentos da carga das imposições banais e aqueles (a enorme maioria dos leigos) que tinham por missão empenhar-se no mundo da produção, de modo a satisfazerem as suas próprias necessidades, aliás limitadas, e as necessidades, um pouco mais avultadas e sofisticadas, de todos os que tinham o privilégio de poder viver dos frutos do trabalho de outrem.
O mundo do século X (e, já antes, o da segunda metade do século IX) é duro e perigoso; sobreviver constitui, por si só, uma preocupação constante e um desejo obsessivo. As incursões dos vikings, dos magiares e dos sarracenos arrasam as costas e fustigam o interior da Europa mediterrânica oriental; a essas incursões há ainda a acrescentar as lutas contínuas no seio de aristocracias rapaces e violentas, cristianizadas apenas superficialmente, mas orgulhosas das fundações monásticas por elas promovidas e do rico espólio de relíquias, acumuladas um pouco por toda a parte e ostentadas, veneradas e respeitadas como objectos possuidores de um poder mágico.
A Europa da época enche-se de castelos (algumas regiões, como Castela, extraíram o seu nome desse facto), construções fortificadas onde as pessoas se refugiam enquanto, no exterior, se desencadeia a fúria dos bárbaros e dos «tiranos». No entanto, são em grande parte as incómodas e precárias