N O SEI QUANTAS ALMAS TENHO
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa
Inocência
Vou aqui como um anjo, e carregado De crimes! Com asas de poeta voa-se no céu...
De tudo me redimes, Penitência
De ser artista!
Nada sei, Nada valho, Nada faço, E abre-se em mim a força deste abraço Que abarca o mundo! Tudo amo, admiro e compreendo. Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos, Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.
Miguel Torga
Os poemas acima citados falam sobre a alma do poeta, como se sentem ou como gostariam de sentir. Há uma tristeza contida no poema de Fernando Pessoa que busca seu próprio ser, seu íntimo, seu sentir. No poema de Miguel Torga também há uma referência sobre si mesmo, uma busca do autoconhecimento, uma afirmação do ser e uma crítica a si mesmo enquanto ser artista, busca de seus valores como almas ingênuas e sonhadoras..