N Apagar Trabalho
Vinicius Moraes
A Rosa de Hiroxima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Comentário:
Numa postura humanista, em que cria figuras com fortes tintas, o poeta canta contra a guerra. Usando o verbo "pensar" no imperativo ("pensem"), "convida-nos" a todos a refletir diante das atrocidades causadas pela guerra; e, principalmente, a causada pelo mais novo rebento gerado pelo ser humano: a bomba atômica. A culpa não é apenas de um indivíduo ou outro. A culpa, a responsabilidade da destruição não é de um país X ou Y, mas de toda a humanidade. O que está em jogo aqui é a própria existência, ou melhor dizendo, a própria sobrevivência humana. Vinícius grafa Hiroxima com X, pois a rigor é essa a adaptação do nome próprio japonês para a língua portuguesa. Em tempos mais recentes, devido à influência do inglês, é mais comum que se grafe a palavra com SH. Ambas as formas são aceitas na norma culta.
Rachel de Queiroz
Telha de Vidro
Quando a moça da cidade chegou, veio morar na fazenda na casa velha... tão velha... quem fez aquela casa foi seu bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha, uma alcova sem luzes, tão escura!
Mergulhada na tristura de sua treva e de sua única portinha..a.
A moça não disse nada; mas mandou buscar na cidade uma telha de vidro, queria que ficasse iluminada sua camarinha sem claridade...
Agora o quarto onde ela mora e o quarto mais alegre da fazenda.
Tão clara que, ao meio-dia, aparece uma renda de arabescos de sol nos ladrilhos vermelhos que, apesar de tão velhos, só agora conhecem a luz do dia...
A lua branca e fria também se mete às vezes pelo claro da telha milagrosa... ou alguma estrelinha audaciosa carateia no espelho onde a moça se penteia...