EROS E PSIQUÊ
APULEIO, L. Metamorfoses, o Asno de Ouro. São Paulo: Cultrix, 1963.
Livro IV: XXVIII. "Havia em certa cidade um rei e uma rainha. Tinham eles três filhas de conspícua beleza. No entanto, as mais velhas, por mais agradáveis que fossem à vista, não tinham, ao que parecia nada que o humano louvor não pudesse condignamente celebrar. A mais moça, ao contrário, de beleza tão rara, tão brilhante, tinha tal perfeição que, para celebrá-la com um elogio conveniente, era pobre demais a língua humana. Gente do país e do estrangeiro, todos aqueles que a fama de espetáculo tão único congregava em multidão, imóveis e curiosos, permaneciam atônitos de admiração por essa beleza sem igual, e, levando a mão direita aos lábios, pousavam o índice sobre o polegar erguido. Devotavam-lhe a mesma adoração que à própria deusa Vênus. Já nas cidades vizinhas e nos campos circundantes, espalhara-se o rumor de que a deusa nascida do seio azulado dos mares e formada do orvalho da vaga espumejante, dignara-se tornar acessível seu poderio e misturar-se à sociedade dos homens. A menos que as gotinhas celestes tivessem feito germinar uma nova Vênus, enfeitada com a flor da virgindade, não das ondas, mas da terra.
XXIX. "Foi assim que a crença ganhou terreno, dia a dia; de ilha a outra, depois no continente, e de província em província, a fama se estendeu e propagou. Numerosos foram os mortais que, empreendendo grandes viagens e longínquas travessias, afluíram para ver a gloriosa maravilha do século. Em Pafos, em Cnido, na própria Citera, nenhum navegador aportava mais para contemplar a deusa Vênus. Seus sacrifícios foram relaxados, os templos estavam-se derruindo, enxovalhavam-se os nichos, ficavam as imagens sem coroas e as cinzas frias maculavam os desolados altares. Era à moça que dirigiam as preces, e era sob os traços de um ser humano que imploravam mercês da augusta divindade. Quando, pela manhã, aparecia a virgem, era de Vênus ausente que se invocava o nome propício,