D. Raiol
José Ribamar Bessa Freire
Era janeiro de 1835. O tapuio Filipe, conhecido como Mãe da Chuva, deu um tiro no peito de José Joaquim da Silva Santiago. Outro tiro, disparado por Domingos, o Onça, matou Bernardo Lobo de Souza. A primeira vítima era o comandante de armas e a segunda, o presidente da Província do Pará. Os corpos das duas maiores autoridades da Amazônia foram arrastados para o alojamento dos índios remeiros – um grande galpão, em Belém. Lá, durante mais de oito horas, tapuios conhecidos por estranhos apelidos – Gigante do Fumo, Onça do Mato, Sapateiro, Remeiro - desfilaram, chutando os cadáveres e cuspindo neles. Muitos chegaram a mijar na cova, um buraco aberto no cemitério da igreja das Mercês. A cabanagem começava. Desta forma, a professora de História do Amazonas do curso pedagógico do Instituto de Educação (IEA) narrava, 130 anos depois, em 1965, o episódio que ela considerava como o início da Cabanagem, a revolta popular mais importante da história da Amazônia. Para ela, os cabanos eram assim, violentos e cruéis, assassinos e desalmados, porque eram gente sem instrução e sem cultura, marginais, inferiores. Ela não contextualizava a violência e nada dizia sobre as atrocidades cometidas pelas forças de repressão ao movimento cabano. Aquilo que ela ensinava, deveria ser repetido e multiplicado, ecoando em todas as escolas primárias da cidade, porque o IEA era, então, a única instituição pública de Manaus responsável pela formação de professores normalistas. A versão que nós, normalistas da década de 60, tivemos da Cabanagem e que muitos reproduziriam para seus alunos nos anos seguintes, foi essa, alimentada por livros editados depois do golpe militar de 1964, quando um historiador – Arthur César Ferreira Reis - foi indicado pela ditadura militar para governar o Amazonas. Ele criou as Edições do Governo do Estado do Amazonas, imprimindo em 1965, entre outros, dois livros: A Cabanagem, escrita pelo