A) o dia em que minha mãe transformou batatas em pera
Aquele que passamos em Buenos Aires, passeando na Recoleta? Não. Também estava longe dos outros filhos..
Qual então? Onde fora?
Esse dia inesquecível não passei como mãe: passei como filha.
Minha mãe era analfabeta. Sabia fazer contas como ninguém. Multiplicava os salgadinhos que fazia pelo preço unitário e chegava ao resultado antes mesmo de nós, os filhos, que sabíamos a tabuada de cor. Ela não sabia ler, mas exigia que os filhos só tirassem notas boas na escola.
Era Dia das Mães. Eu tinha 15 anos. Morávamos numa casinha simples e brilhante no interior do Paraná. Minha mãe havia recebido uma encomenda muito grande de salgadinhos, e tinha recebido um bom dinheiro. Prometera que o almoço desse dia, além daquele frango maravilhoso que ela fazia como ninguém, teria uma sobremesa surpresa.
Estávamos acostumados aos doces de todo dia: doce de abóbora, de mamão, de cidra…. Mas eram doces caseiros, doces que já não tinham a surpresa do sabor. Ficamos imaginando o que seria a surpresa.
Um pudim de leite condensado? Morangos com chantilly? Era época de morango?
Domingo, mesa posta, família toda reunida. Esperávamos meu pai, que tinha ido à missa do domingo.
No ar, uma alegria misturada com o mistério da sobremesa.
Meu pai chegou, almoçamos. “E, mãe, cadê a sobremesa?”
Não havia nada na geladeira, nada que nossas bisbilhotices pudessem ter descoberto.
Minha mãe então foi até seu quarto e, de dentro do armário, tirou uma caixa de papelão. Dentro, bem escondidas, embrulhadas num jornal, havia três latas de doces. De doces, como ela supunha que fossem.
“Vejam só, crianças”, disse minha mãe. “Peras em calda!”
Na foto que ilustrava a lata, as batatas facilmente eram confundidas com peras. Minha mãe não sabia ler. Não poderia imaginar que existisse batata em conserva. E em latas, como as peras e os