A Visão dos Diferentes Povos Sobre a Criação do Mundo
A maioria esmagadora dos leitores da Bíblia não percebe, mas os dois primeiros capítulos do livro sagrado de cristãos e judeus retratam não uma criação do mundo, mas duas. O ser humano surge de duas maneiras diferentes, uma logo depois da outra, e até o deus responsável pela criação não tem o mesmo nome nos dois relatos. Essa natureza contraditória e fascinante do Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, está sendo revelada por uma série de estudos históricos e lingüísticos do texto sagrado. A arqueologia, por sua vez, mostra a relação dessas histórias com as de outros povos do Oriente Médio -- às vezes tão parecidas com o Gênesis que ajudam a recriar a "pré-história" das Escrituras. "A hipótese básica é que os textos bíblicos foram reunidos de várias fontes diferentes, de períodos diferentes, ao longo de nove séculos", explica Suzana Chwarts, professora de estudos da Bíblia hebraica na USP. "Essa é a chamada hipótese documentária, discutida aos gritos em qualquer congresso internacional desde o século 19 até hoje", brinca Chwarts, referindo-se às polêmicas que rondam a idéia. Controvérsias à parte, a hipótese documentária costuma ver dois textos-base principais para as narrativas da criação, conhecidos pelas letrinhas P (primeiro relato) e J (o segundo). As diferenças entre a dupla são numerosas, como se pode conferir no infográfico abaixo. De P a J
O relato de P é o único a detalhar a criação de todos os corpos celestes e seres vivos em seis dias. Nele, o homem e a mulher são criados ao mesmo tempo, e a divindade usa apenas palavras para fazer isso. Já o relato de J inverte a ordem de alguns elementos e, na verdade, enfoca apenas a criação dos seres humanos (trata-se da famosa história do homem feito de barro e da mulher modelada a partir de sua costela). De quebra, os personagens que comandam a ação parecem não ser os mesmos. O primeiro recebe o nome hebraico Elohim (originalmente uma forma do