a vida secreta de walter mitty
THOMAS TRAUMANN
DO ENVIADO ESPECIAL AO AMAZONAS- Folha de São Paulo
Eram 4h10 da manhã quando a luz de uma lanterna me acordou. Vi um índio ornamentado com conchas de caramujo no nariz que procurava algo perto da rede onde eu dormia. "O que foi Kuini, é uma cobra?", perguntei ao índio da tribo dos matis que havia sido contratado como um dos guias da expedição. "Campu, campu", ele me respondeu, referindo-se a um sapo venenoso usado em rituais dos matis. Ato seguinte: Kuini Matis passou a imitar o coaxar do tal sapo. O sapo respondeu alguns metros adiante, e o índio foi atrás. Voltei a dormir como se nada tivesse acontecido. Quando você acha normal ser acordado no meio da madrugada por um índio que imita um sapo é porque a sua vida virou de cabeça para baixo. Foram 43 dias de vida pelo avesso. Acompanhar a expedição da Funai foi a experiência mais intimidante da minha carreira e da do fotógrafo Flávio Florido. Não pelos perigos inerentes de atravessar um pedaço desconhecido da Amazônia, mas pela obrigação de se adaptar a um cotidiano completamente diferente. Tomar banho, por exemplo. Para começar, entravamos no igarapé com a água apenas até o calcanhar. Se tentássemos ir mais fundo, poderíamos ser atacados por uma arraia ou uma piranha. Duvidamos no início, mas mudamos rapidamente de idéia depois que o próprio Flávio pescou 19 piranhas em um dos rios. Com tão pouca mobilidade, o banho é feito com canecas - as mesmas usadas para tomar café ou suco de açaí. Mas as piranhas estão entre os menores risco da fauna local. O mesmo vale para as cinco cobras venenosas mortas nos acampamentos e trilhas. Muito mais enervantes são os insetos. Contávamos às centenas as marcas de picadas, apesar de nos besuntarmos com repelente várias vezes ao dia. Como seria previsível, a nossa hora do banho era um festim para os mosquitos. Nos 25 dias que passamos acampados na floresta,