A Terceira Margem do Rio Apontamentos sobre Literatura e Cinema

A TERCEIRA MARGEM DO RIO: APONTAMENTOS SOBRE LITERATURA
E CINEMA
SILVA, Márcia Cabral da (UERJ)
Nada como fazer um filme obriga a olhar as coisas. O Olhar de um literato sobre uma paisagem, campestre ou urbana, pode excluir uma infinidade de coisas, recortando do conjunto só as que o emocionam ou lhe servem. O olhar de um cineasta – sobre a mesma paisagem – não pode deixar, pelo contrário, de tomar consciência de todas as coisas que ali se encontram, quase enumerando-as. De fato, enquanto para o literato as coisas estão destinadas a se tornar palavras, isto é, símbolos, na expressão de um cineasta as coisas continuam sendo coisas: os signos do sistema verbal são portanto simbólicos e convencionais, ao passo que os do sistema cinematográfico são efetivamente as próprias coisas, na sua materialidade e na sua realidade
(Pasolini, 1990, p.128).

As considerações de Pier Paolo Pasolini constituem pano de fundo para a introdução deste estudo, no qual refletimos sobre as relações entre literatura e cinema, a partir do exame do conto-base A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa
(1962) e de sua adaptação para o cinema por Nelson Pereira dos Santos (1993). Neste excerto, Pasolini nos adverte de que, ao tratar de literatura e de cinema, tocamos campos distintos. De tal modo, há de se desconfiar de conceitos tais como “fidelidade à obra, adaptação, transcrição literal, traição ao ponto de vista do autor”. Adotamos, portanto, uma metodologia de investigação que sugere desconfiança entre supostos sistemas semelhantes. Lançamos mão da indagação, tendo em conta as especificidades de campos diferenciados.
A intenção de realizar adaptações de obras literárias para o cinema não é novidade na história do cinema brasileiro. Paulo Emílio Sales Gomes (1996) analisa os altos e baixos dessa história, acentuando a baixa qualidade da produção que se desenvolve a partir de 1915 até 1922. Produção fortemente inspirada em nossa literatura: Inocência e
A Retirada da Laguna, de Visconde