A paixão segundo g.h.: transcendência da escrita pela transcendência do ser
Toda a obra de Clarice Lispector é divida em quatro momentos que conduzem o leitor a um final revelador, mas uma revelação simples, da condição existencial humana. Primeiro o leitor é situado num ambiente corriqueiro em que a personagem principal protagoniza ações simples, sem nenhuma novidade e nada de extraordinário ou surpreendente. Em seguida um grande acontecimento é anunciado, nesse momento há reflexões profundas de fundo existencial, metafísico, filosófico etc. Num terceiro momento a ação, finalmente, após inúmeros adiamentos, se materializa sendo arrematada pelo último momento que causa um baque no leitor, um atordoamento dos sentidos, pois esse agora se contempla num espelho, e sua identidade social é totalmente desmascarada e ora se vê numa mancha de sangue esparramada pelo chão, ora como um ex sujeito emparedado pelas convenções sociais que degusta o que há de mais asqueroso para alçar os mais rasteiros vôos que ameaçam pequenas investidas de liberdade. Esse encontro com o avesso de si é o quarto e último momento da narrativa de Clarice, chamado “epifania”, a revelação existencial nas coisas simples e inumanas. Essa epifania se manifesta graças a um entrelaçamento de fatores que dão vida própria à obra, que faz da narrativa uma senda até a ascese dos sujeitos envolvidos, a personagem e o leitor que estende à mão e se deixa por ela conduzir. Não é um processo redentor gratuito, de iluminação meramente espontânea, de dilaceramento das trevas aleatoriamente, há um fundo político sólido, assim como um fundo estético, histórico etc. Há uma pulsação feminista contra um sistema ditador corrosivo, essa pulsação é refletida no descontentamento que, se na política é contra as imposições parciais de um sistema opressor, na literatura é, por G.H., um rompimento com a escrita convencional e com o modo de agir tipicamente do burguês trancafiado numa casa cheia de