A noção de representação em durkheim
FERNANDO PINHEIRO FILHO
A publicação da última das grandes obras de Durkheim, As formas elementares de vida religiosa, em 1912, cristaliza um movimento de inflexão em sua obra que, entre outros aspectos, caracteriza-se pela passagem da consciência coletiva para as representações coletivas como conceito-chave da análise sociológica. A ênfase se desloca da morfologia social, cujo mecanismo é o principal fundamento explicativo dos fatos sociais na Divisão do trabalho social, para a valorização do simbolismo coletivo como princípio fundante da realidade social. Conforme a metáfora presente no artigo de 1911, “Julgamentos de valor e julgamentos de realidade”, a mudança desloca a ênfase do corpo (morfologia) para a alma (ideais) da sociedade; dos determinantes estruturais para aquilo que era apenas produto dessa determinação. É certo que tal movimento, visível ao menos desde O suicídio, de 1897, em que o autor afirma que a vida coletiva é feita essencialmente de representações, não passou despercebido pelos estudiosos da obra. No entanto, dada a importância heurística da noção, creio que um estudo sobre sua gênese contribui para esclarecer o sentido do projeto durkheimiano de superação do discurso filosófico – ou, mais precisamente, de substituição da epistemologia kantiana por uma sociologia do conhecimento. Note-se que o primeiro título aventado por Durkheim para o livro de 1912 foi “As formas elementares do pensamento e a prática religiosa”, talvez mais adequado ao produto de uma reflexão em que religião e pensamento resultam co-extensivos, adquirindo a primeira o caráter de meta-instituição, donde a necessidade de relacionar as crenças religiosas e cognitivas no interior de uma teoria geral das representações coletivas. Isso ajuda a explicar a organização do livro, em que o corpo do texto é inteiramente dedicado à religião, enquanto a introdução e a conclusão concentram uma argumentação atinente