a narrativa na trama da subjetividade
A narrativa na trama da subjetividade: perspectivas e desafios*
Amauri Carlos Ferreira**
Yonne de Souza Grossi***
RESUMO
Este artigo examina possíveis categorias que configuram a narrativa, ou seja, memória e subjetividade no percurso do outro. Tece questões que abrem novas perspectivas para se interpretar narrativas no plano da história e do discurso, registrando seus desafios. Analisa a oralidade e seus desdobramentos na travessia do relato individual e singularizado, para a engenhosa construção do coletivo. Palavras-chave: Narrativa; Subjetividade; Interpretação; Ética.
Contra a fugacidade, a letra.
Contra a morte, o relato.
(T. E. Martinez)
P
ela narrativa de Ovídio, sabe-se que Aracné, exímia tecelã, esqueceu-se de sua dimensão humana e, numa atitude de imprudente soberba, pretendeu dever seu talento apenas a si mesma. Isolou-se, na presunção de que seus trabalhos eram inigualáveis. Perdeu, então, o contato com sua mestra divina Palas Atena, a mãe da tecelagem.
Numa atitude maternal a deusa, disfarçada de velha, aconselhou-a a se arrepen-
der. Insultada, ouviu um desafio para que seus trabalhos fossem comparados.
Ofendida, Palas Atena aceita o desafio.
Ambas teceram histórias. Atena teceu sobre as metamorfoses através das quais certos deuses punem seus rivais; teceu também a si própria e outros deuses em sua grandeza. Aracné, por sua vez, desenhou histórias maliciosas das metamorfoses e das intrigas entre os deuses.
Sutil malevolência e reprovação perpassavam suas histórias. A despeito da perfeição do trabalho de sua discípula, Atena o rasga e fere sua rival com uma agulha. Aracné, insultada, enforca-se. A deu-
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Este texto foi escrito especialmente para apresentação no VI Encontro Nacional de História Oral realizado na USP, cidade de São Paulo, de 28 a 31 de maio de 2002.
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Professor do Departamento de Filosofia e Teologia da PUC Minas e do Instituto Santo Tomás de
Aquino