A mulher desencarnada
A MULHER DESENCARNADA
Os aspectos das coisas que são mais importantes para nós ficam ocultos devido à sua simplicidade e familiaridade. (Somos incapazes de notar alguma coisa porque ela está sempre diante de nossos olhos.) Os verdadeiros fundamentos de sua investigação não ocorrem absolutamente a um homem.
Wittgenstein
O que Wittgenstein escreve aqui sobre a epistemologia pode aplicar-se a aspectos da fisiologia e psicologia de uma pessoa — especialmente no tocante ao que Sherrington denominou ”nosso sentido secreto, nosso sexto sentido” —, o contínuo, mas inconsciente fluxo sensorial das partes móveis do nosso corpo (músculos, tendões, articulações) por meio do qual a posição e tono destas são continuamente monitorados e ajustados, porém de um modo que se mantém oculto de nós por ser automático e inconsciente.
Nossos outros sentidos — os cinco sentidos — são manifestos, óbvios; mas esse nosso sentido oculto precisou ser descoberto, como foi, por Sherrington, na década de 1890. Ele o batizou de ”propriocepção” para distingui-lo da ”exterocepção” e da ”interocepção” e, adicionalmente, em razão de ele ser indispensável para nosso senso de nós mesmos; pois é apenas graças à propriocepção, por assim dizer, que sentimos que nosso corpo é caracteristicamente nosso, nossa ”propriedade”, algo nosso. (Sherrington, 1906,1940.)
O que é mais importante para nós, em um nível elementar, do que o controle, a posse e a operação de nosso ser físico? E, no entanto isso é tão automático, tão familiar, que nunca pensamos nele. Jonathan Miller produziu uma bela série para a televisão, The body in question [O corpo em questão], mas o corpo, normalmente, nunca está em questão: nosso corpo está fora de questão, ou, talvez, abaixo da questão. Ele simplesmente, inquestionavelmente, existe. Esse caráter não questionável do corpo, a certeza do mesmo, é para Wittgenstein o