A Morte Do Poeta

361 palavras 2 páginas
ISSN: 1646-5024 • JANEIRO-JULHO 2008 • Revista Nuestra América nº 5

220 - 219

Morte do poeta
Alvaro Alves de Faria*

Quando morreu o poeta

que eu tinha em mim,

não tive outra alternativa

senão enterrá-lo num vaso

que tenho no quintal,

como se a escondê-lo de todos

para que não se perturbasse

sua paz definitiva.

Anda ele a espreitar-me

desse vaso junto ao muro

e todas às noites sai de si

em busca não se sabe do quê.

Pouco lhe valeu a morte

porque continua a colher

os silêncios das árvores

e as asas dos pássaros que não alcança.

Quando saiu desse vaso

em que o sepultei,

esse poeta sai a se descobrir

nas esquinas das ruas

entre pessoas

que nem sabem que ele existe.

* Álvaro Alves de Faria (n. 1942, Brasil) é jornalista, poeta e escritor. Recebeu, entre outros, o Prêmio
Governador do Estado de São Paulo, o Pen Clube Internacional de São Paulo, o Prêmio Jabuti de Imprensa (em 1976 e 1983), o Prêmio Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte (1988 e 1989).
Publicou livros de poesia, crónica, conto, romance, ensaio e algum teatro. Autor dos livros Motivos alheios (1983); O azul irremediável (1992) e À noite, os cavalos (2003), a sua poesia está reunida em Trajetória poética – poesia reunida (2003) e Habitación de Olvidos, Antologia, com organização e tradução do poeta espanhol Alfredo Perez Alencart (2007). Site do autor - http://www.alvaroalvesdefaria.com/.

220

Morte do poeta

E quando volta em horas perdidas, traz o bolso cheio de estrelas, de folhas que caem das plantas e de palavras esquecidas.
Às vezes volta com algumas luas nas mãos e traz ainda rios

que lentos caminham

pela margem do rosto.

Quando volta esse poeta que morreu em mim, volta como se não voltasse, fica sempre longínquo, quase desaparecido no fundo do que fui e ainda me acomete, o poema inacabado no corte brusco da poesia e a poesia brusca no corte do poema.
Agora dorme esse poeta que em mim morreu, dentro do vaso num jardim

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