A Morte Do Poeta
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Morte do poeta
Alvaro Alves de Faria*
Quando morreu o poeta
que eu tinha em mim,
não tive outra alternativa
senão enterrá-lo num vaso
que tenho no quintal,
como se a escondê-lo de todos
para que não se perturbasse
sua paz definitiva.
Anda ele a espreitar-me
desse vaso junto ao muro
e todas às noites sai de si
em busca não se sabe do quê.
Pouco lhe valeu a morte
porque continua a colher
os silêncios das árvores
e as asas dos pássaros que não alcança.
Quando saiu desse vaso
em que o sepultei,
esse poeta sai a se descobrir
nas esquinas das ruas
entre pessoas
que nem sabem que ele existe.
* Álvaro Alves de Faria (n. 1942, Brasil) é jornalista, poeta e escritor. Recebeu, entre outros, o Prêmio
Governador do Estado de São Paulo, o Pen Clube Internacional de São Paulo, o Prêmio Jabuti de Imprensa (em 1976 e 1983), o Prêmio Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte (1988 e 1989).
Publicou livros de poesia, crónica, conto, romance, ensaio e algum teatro. Autor dos livros Motivos alheios (1983); O azul irremediável (1992) e À noite, os cavalos (2003), a sua poesia está reunida em Trajetória poética – poesia reunida (2003) e Habitación de Olvidos, Antologia, com organização e tradução do poeta espanhol Alfredo Perez Alencart (2007). Site do autor - http://www.alvaroalvesdefaria.com/.
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Morte do poeta
E quando volta em horas perdidas, traz o bolso cheio de estrelas, de folhas que caem das plantas e de palavras esquecidas.
Às vezes volta com algumas luas nas mãos e traz ainda rios
que lentos caminham
pela margem do rosto.
Quando volta esse poeta que morreu em mim, volta como se não voltasse, fica sempre longínquo, quase desaparecido no fundo do que fui e ainda me acomete, o poema inacabado no corte brusco da poesia e a poesia brusca no corte do poema.
Agora dorme esse poeta que em mim morreu, dentro do vaso num jardim