A memória partilhada
A MEMÓRIA PARTILHADA Resenha de: Bosi, Ecléa. (2003). O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial.
N
este livro de admirável sensibilidade humana, Ecléa Bosi explora o campo de experiência pessoal com os eventos do dia-a-dia, registrados na lembrança, contados para outrem. Não é a memória que se tranca em simesma, mas a que partilha seus conteúdos quando há um ouvido disponível e atento, e que os define, no próprio ato de contar. Há uma história oficial, a dos manuais e das datas importantes que todos nós quando estudantes, e sob protesto, tivemos de decorar. A a que se refere Ecléa é outra história, a de cada um, construída ao longo da vida, a partir de um cotidiano muitas vezes corriqueiro mas sempre relevante. A toda hora, somos capazes de recuperar aspectos de nosso passado: é como se nos contássemos histórias a nós-mesmos, alguns chegam a registrálas em forma de diário. Mas o relato primordial é o que pode ser feito a outras pessoas: através dele, o que vivemos e que é bem nosso ganha uma dimensão social, obtém testemunhas (mesmo que a posteriori), faz com que os outros ampliem sua experiência, através das nossas palavras. Há troca e cumplicidade. Viver, para Contar (a vida), o título das memórias de Gabriel García Márques, serve para todos nós. Viver algo notável gera a necessidade de contar: você sabe o que eu vi? você sabe o que me aconteceu ? E tudo o que nos acontece é notável porque nos concerne. É interessante notar que estudiosos supõem ter a linguagem se originado, em nossa espécie, a partir da representação de situações sociais; talvez se possa dizer, parafraseando García Márquez, que se nos lembramos é para poder contar.
Psicologia USP, 2004, 15(3), 233-244
233
Falar nem sempre é pragmático, no sentido de coordenar a ação sobre o mundo, falar aproxima as pessoas e as coloca num campo de significados comuns. É um contacto de experiências no qual toma mos um prazer especial (não nos