A Mem Ria Evanescente Texto 2
A memória evanescente
Leandro Karnal
Flavia Galli Tatsch
Se queres transformar-te num homem de letras, e quem sabe um dia escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois senão a tua História ficaria monótona. Mas terás que fazê-lo com moderação. O mundo condena os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre coisas mínimas, e premia os poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas.
(Umberto Eco, Baudolino)
Conta o mestre Capistrano que teria encontrado um historiador de moral duvidosa a queimar documentos para tornar a sua leitura daquelas fontes imprescindível e definitiva.1 O tom quase anedótico da narrativa esconde uma questão importante: o documento é a base para o julgamento histórico.
Destruídos todos os documentos sobre um determinado período, nada poderia ser dito por um historiador. Uma civilização da qual não tivéssemos nenhum vestígio arqueológico, nenhum texto e nenhuma referência por meio de outros povos, seria como uma civilização inexistente para o profissional de História?2
Ora, se o documento é a pedra fundamental do pensamento histórico, isto nos remete a outra questão: o que é um documento histórico? É notável como o historiador resiste em definir seus conceitos de trabalho, mesmo os fundamentais.
Discutir o que consideramos um documento histórico é, na verdade, estabelecer qual a memória que deve ser preservada pela História e qual o
O historiador e suas fontes
estatuto da própria História. A categoria documento define uma parte importante do campo de atuação do historiador e a amplitude da sua busca.
Se a ideia “sem documentos não há História”3 fez carreira fulgurante e incontestável, ela nublou outra questão central: o que é um documento?
Iniciando pela percepção mais difundida, o documento histórico seria uma folha (ou várias folhas) de papel escrito por alguém importante. Assim, um exemplo clássico dessa concepção de documento seria a carta escrita por
Pero Vaz de Caminha e que relata