a mais valia

1.
A partir do conto As feras, do argentino Roberto Arlt, podemos conjecturar uma questão temática marcante que se repete em Pequenos proprietários, escrito do mesmo autor e que integra o livro homônimo (2002) ao conto do qual partimos: o ressentimento e a decadência como valores atemporais e viciosos da sociedade urbana moderna, representados através das situações vividas pelos personagens que protagonizam os dois textos em questão. No primeiro parágrafo de As feras, Arlt sequencia termos como “afundar”, “rosto áspero”, “telas de sombra”, “caminho como um sonâmbulo” e “processo de minha decomposição” que, correlacionados, compõem proposições dramáticas e repletas de ressentimento acerca da história de um personagem não nomeado. Este, ao perder sua mulher amada, tão recordada por ele ao longo do conto, passou a fazer parte de um cotidiano infame composto por “homens perdidos, ladrões e assassinos e mulheres que tem a pele do rosto mais áspera que cal estorricada” (ARLT, 2002, p. 101). No decorrer do conto, esse cotidiano sórdido será mais amplamente caracterizado através de exemplos de situações pelas quais passou o protagonista – como, por exemplo, viagens que este realizou por subúrbios de outros países, acompanhado por Tacuara, uma prostituta agenciada por ele e com a qual mantém relações sexuais –, o que gera uma ideia de participação viciosa em uma engrenagem social decadente e de difícil escape. Tal participação é o primeiro fator comum em relação ao conto Pequenos proprietários. Este narra a história de dois vizinhos, Joaquín e Cosme, que se encontram perenemente em conflito desde que Joaquín, ao comprar o terreno para sua casa, pediu um orçamento da obra para Cosme, mas acabou por nomear para o serviço um outro pedreiro e, além disso, utilizou a parede-meia do vizinho que, furioso, exigiu um valor maior do que o natural. A partir de então, os dois personagens passaram a se odiar com “rancor trapaceiro” (p. 92), desejando reciprocamente uma espécie de