A LEI NATURAL EM S
Introdução, tradução e notas da questão 94 da
Summa Theologiae Ia-IIae1
BENTO SILVA SANTOS
(UFES – Departamento de Filosofia)
Uma reflexão sobre o conteúdo do Direito em S. Tomás de Aquino, que propõe como fundamento de toda ordem jurídica o célebre adágio bonum est faciendum et prosequendum et malum vitandum, parecerá certamente anacrônico para aqueles que assumiram a dicotomia de matriz kantiana entre Direito e Moral, relegada ao interior da consciência2. Não é de hoje que se nutre uma rejeição cada vez mais acentuada da possibilidade de harmonia entre Ética e Metafísica, pilares indispensáveis da Razão clássica. De um lado, entre certos filósofos e juristas predomina a tendência das racionalidades modernas que se caracterizam por ser fundamentalmente “operacionais”, onde os valores ético-jurídicos suprapositivos tornam-se oscilantes e são arbitrariamente interpretados. De outro lado, porém, como conseqüência da crise do Positivismo Jurídico do século XX, superou-se a rígida distinção entre Direito e Moral. Neste sentido, existe uma abertura da Filosofia do Direito contemporânea aos valores ético-políticos.
Concretamente, tal abertura encontra-se nas chamadas teorias constitucionalistas3 ou na nova teoria do Direito Natural4.
1
Publicado em Agora Filosófica (UNICAP) 2 (2003) 17-39.
2
Este divórcio se estabelece a partir da reflexão kantiana dobre o Direito consignada na primeira parte da obra Metafísica dos Costumes. Esta é o terceiro dos textos críticos de Kant sobre filosofia moral. O primeiro é a Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785). O segundo é a Crítica da Razão Prática (1788). A terceira obra está dividida em primeiros princípios metafísicos da
“Doutrina do direito” e da “Doutrina da virtude”: cf. edição brasileira: I. KANT, A Metafísica dos
Costumes. Trad. Edson Bini.São Paulo, Edipro,2003
3
A abordagem constitucionalista é antecipada na concepção do Direito como integridade em R.
DWORKIN. Em outras