A interrupção voluntária da gravidez no brasil
Cada vez mais se afirma a necessidade inadiável de repensar a legislação abortiva no Brasil, para efeito de garantir à mulher os direitos conquistados e tornados constitucionais.
Contrastando com o Brasil ensolarado e festivo, de pessoas que ostentam a liberdade orgulhosamente reclamada, só é dado às mulheres o direito de interromperem voluntariamente uma gravidez indesejada em três circunstâncias: em caso de risco de vida para a mãe (aborto terapêutico), violência sexual (aborto ético) – ambas excludentes de ilicitudes previstas no Código Penal (CP) – e feto anencéfalo – em razão de recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Como consequência, recorre-se corriqueiramente ao abortamento clandestino, causa de 10 a 15% da mortalidade materna. Estima-se 1,5 a 3 milhões de abortamentos ilegais por ano no Brasil, apesar de serem consideravelmente mais elevados os custos com as intervenções cirúrgicas e pós-abortos do que com os abortamentos considerados legais. Estes dados revelam a inadequabilidade da disciplina penal do fenômeno do abortamento face à realidade social do Brasil. Ou seja, o tratamento dispensado ao crime de aborto, tal como previsto, não é eficaz e nem tem o efeito pedagógico ou dissuasor que se espera. Inversamente, nota-se uma crescente preocupação do legislador brasileiro em torno dos direitos do nascituro, em detrimento dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Fazendo uma retrospectiva histórica, quando estavam ainda em discussão as questões da mulher na elaboração da Constituição brasileira de 1988, a sub-comissão dos Direitos e Garantias Individuais havia proposto a seguinte redação: “… é crime o aborto diretamente provocado”, que depois se transformou na aclamada inviabilidade do “… direito à vida desde a concepção até a morte natural”. Este enunciado também foi sugerido nas sub-comissões de Saúde e Família[1]. Já na