A insustentável dureza do ser: sobre "um estranho em mim"
18/07/2000
"Ao longo desses anos em silêncio, minhas meditações casuais sobre a vida ensinaram-me: as pessoas têm medo de perder suas ilusões [...] Eu não tinha mais ilusões. Por isso mesmo, não tinha medo. A serenidade explicava-se, mesmo que os olhos cada vez mais raros e surpresos dos outros não conseguissem entendê-la. Paciência. De minha parte, tarefas cumpridas. Descansar. Espatifada a capacidade de crer na menor ilusão. É importante que um homem as tenha, as ilusões: deixe as pessoas com algumas poucas ilusões e você será feliz. Guarde uma ou duas para si por precaução, e não as mostre, assim, para qualquer um. Por mim, estou livre delas. Não as tenho mais e não as quero novamente.
O longo trecho pertence ao livro "Um Estranho em Mim" (Ed.UFPB,1999), do autor paraibano Marcos Lacerda, nas palavras do seu personagem principal, Eduardo, ao final do livro.
Eduardo, de certo modo, nos diz que viver também é sonhar, é ter fantasias, é desejar, é preciso ter ilusões, pois só assim é que podemos viver, só assim podemos tentar buscar a tão almejada felicidade, se é que ela existe. Sem sonho, fantasia, desejo ou ilusão, o homem não seria nada. É preciso que nos agarremos a alguma esperança, mesmo que esta seja uma "doce ilusão". Parte daí, talvez, o medo da perda, da falta que nos remete direto ao poço sem fundo, a um estado inevitável de desamparo afetivo e sexual, tão comum em tempos sombrios de descrença emocional no outro, do mito de infelicidade tardia, da falta de amor, de carinho, de humildade, hombridade, respeito por si e pelo outro, da infinita contingência das nossas subjetividades.
Juntamente com o sexo, a sociedade contemporânea ocidental transformou um outro mito, o do amor romântico, em apanágio da nossa felicidade. Para viver, é preciso amar ou então sentir o enorme vácuo que é não ter esse amor, ou o que é pior ... perdê-lo! Fica a pergunta no ar: tornamo-nos infelizes porque nunca