A guerra de maquiavel
Diz-se que não escolhemos tão livremente nossos temas, mas que antes são eles que nos escolhem. A escolha de um tema parece de antemão provocada ou conduzida pelo próprio tema. No caso de Maquiavel, isto é confirmado rapidamente se considerarmos sua vasta bibliografia e uma fama que poucos filósofos ou escritores conseguem igualar; acrescidos ainda pelas peculiaridades de nossa época tão rica em perplexidades e desenganos. A crise de nosso tempo nos leva ao encontro desse que, a primeira vista, a teria inaugurado apontando a transmutação dos valores e dos procedimentos da modernidade. Nosso objetivo é mostrar como Maquiavel contribuiu - ao contrário dessa opinião - para ampliar o horizonte do pensamento político. Trataremos no primeiro capítulo das vicissitudes da fama de Maquiavel, seu sentido variável e contraditório ao longo do tempo, detendo-nos especialmente na origem da malignidade do maquiavelismo, isto é, a posição que vê nele a fonte ou expressão de todo o mal que atinge as relações humanas. O maquiavelismo, entendido como mal radical, tornou-se lugar-comum, de modo que é sempre difícil tematizar os escritos de Maquiavel sem que permanentemente nos defrontemos com esta fama de maligno que surge imediata e espontaneamente à simples pronúncia de seu nome. Se a afirmação de André Gide estiver correta, de que a fama é uma soma de mal-entendidos a respeito do autor e sua obra, nada parece mais procedente se considerarmos o caso de Maquiavel, pois sua fama encobriu e distorceu o sentido da obra. O paradoxo é que esta má-fama nos conduz até ele e abre acesso a seu dizer. Desembaraçarmo-nos da fama significaria também abandonar os múltiplos sentidos que seu pensamento provocou desde sua origem, suas inflexões e bruscas reviravoltas a partir de distintas posições que continuam cruzando-se e entrechocando-se num interminável exercício hermenêutico. Consideramos também pertinente tratar da vida de Maquiavel entremeada com a história de Florença, pois não