A Favela e sua Hora
UPPs e investimentos em infraestrutura parecem ser o último prego no caixão dos antigos projetos de remoção das favelas em larga escala; sempre tidas como problemas sem solução, elas podem se converter em parte da solução para os problemas da cidade por BRUNO CARVALHO Para os chineses da dinastia Ming, talvez as favelas cariocas fossem lugares nobres e seguros: acreditava-se por lá, assim como em boa parte do Oriente, que os espíritos malévolos só viajam em linha reta. Em vielas sinuosas, portanto, estaríamos livres de assombrações malditas.
Qualidades sobrenaturais não são as únicas razões para considerarmos as favelas um modelo urbano viável, merecedor de investimentos infraestruturais em escala maciça. Lugares com conhecidos e sérios problemas, elas podem ser também solução para uma série de desafios das cidades hoje. Contanto que não sejam encaradas com olhar pitoresco ou preconceituoso. As favelas são, afinal, produto direto do urbanismo moderno e sua história se confunde com a formação do Brasil. Durante o auge da dinastia Ming, no começo do século XVI, os maiores e mais imponentes centros urbanos não se encontravam na Europa. Em que pese o risco de espíritos indesejados, grandes cidades como Pequim, Vijayanagar na Índia e Tenochtitlán no México eram dotadas de vias em linha reta. Já cidades como Paris eram acanhadas em comparação. Prevalecia o modelo medieval, caracterizado por um emaranhado de ruas estreitas. Difícil imaginar como teria sido humilhante para viajantes europeus o encontro com metrópoles do além-mar, tão mais civilizadas e sofisticadas. Alguns tentavam disfarçar a superioridade alheia, e davam ares incrédulos aos seus relatos. Bernal Díaz del Castillo, relembrando a chegada à capital do império asteca, escreve sobre como os espanhóis se deparavam com coisas “nunca ouvidas, nem vistas, nem mesmo sonhadas”. Na época das descobertas e do Renascimento, a influência greco-romana se espraiou também pelo planejamento urbano