A FARSA DE IN S PEREIRA ANALISE 2
A FIGURA FEMININA NUM MUNDO EM TRANSIÇÃO
Mas coitada da molher sempre encerrada que pera seu passatempo não tem desenfadamento mais que agulha e almofada!
(Camões, Filodemo)
A Farsa de Inês Pereira, um dos mais conhecidos autos de Gil Vicente, teatrólogo do Humanismo português, conta a história de uma moça que recusa os papéis preestabelecidos e questiona o destino imposto à mulher na sociedade quinhentista. Com a ironia característica das farsas medievais, o auto apresenta um desfecho surpreendente, sugerindo as transformações que ocorriam à época. As personagens femininas do texto são marcantes – não por acaso, uma delas dá título à peça - e apresentam diferenças entre si, sendo expressivo o fato de cada uma refletir um aspecto da sociedade de então. Por meio dos diferentes discursos enunciados por elas, o texto desvela a ideologia de cada uma, num entrelaçamento de falas, provérbios e negações.
Acreditando que a atitude da protagonista – expressa, inclusive, a partir de seu discurso – simboliza os valores de um mundo em transição, propiciando uma reflexão acerca das mentalidades medieval e pré-renascentista, nosso estudo propõe uma análise do auto em questão à luz dessa transição, em seus aspectos histórico, social e lingüístico, no olhar desse escritor situado entre dois mundos, sobretudo no que se refere ao papel da mulher.
Originalmente concebido com o desenvolvimento dramático do provérbio “mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube”, a Farsa de Inês Pereira constitui-se no primeiro provérbio glosado em teatro. Trata-se de uma sátira com intenção moralizadora, apresentando traços de uma comédia de caráter e de costumes com tipos bem definidos. Além de explorar a dicotomia ser / parecer, o texto reflete sobre o momento histórico, na medida em que mostra a decadência da nobreza – um cavaleiro sem posses – e a ascensão de uma povo pré-burguês, na figura do parvo Pero Marques.
Segundo classificação proposta por Fidelino de