A fabricação da loucura
Parte 1 – A inquisição e a psiquiatria institucional
Cap.1 – Protetores e inimigos internos da sociedade
Quando as sociedades se estruturavam em conformidade com a lei divina, incontestável, não havia espaço para considerações acerca dos problemas reais. Com o feudalismo, temos estes problemas em evidencia, já que se tem um responsável pela harmonia do grupo e, logo que isto é percebido faz-se desejável a troca do poder. A tradição judaico-cristã tem em levítico, terceiro livro da torá e quarto da bíblia, um conceito no qual um bode é oferecido em holocausto para expiação dos pecados de um povo, como um bode expiatório. Ironicamente, esse é o papel que, como ressalta Karnal (2011), será representado pelo povo judeu por diversas vezes a partir do pogrom de Alexandria em III a. c.
A fim de evitar a perda do poder, os senhores, detentores do poder, incorrem num “empréstimo” do rito judaico. Logo o foco passa as mulheres que, diante do fracasso de homens numa sociedade machista em serem livres de pecado, são nomeadas feiticeiras e tratadas como tal na fogueira, libertando a sociedade do seu mal. Com o descenso do sistema religioso de crenças, ocupado pelo científico, o bode expiatório será aquele não desejado pela sociedade, entre eles pobres, doentes e não conformistas. Neste sistema a feiticeira se torna o doente mental, tratado em instituições psiquiátricas, protegendo a sociedade do seu mal. De um lado temos o inquisidor que, ao não encontrar a causa para um problema define como resultado de feitiçaria, do outro o médico, não encontrando origem de uma doença define seu problema como resultado de doença mental. O inquisidor, diante dos indivíduos não desejáveis, age conforme suas crenças, assim como o médico, ambos defendem suas instituições. É necessária a difusão da crença em feitiçaria para justificar a inquisição, assim como é necessária a crença propagandeada em doença mental para justificar a internação