A escravidão do indígena
André R. F. Ramos1
Resumo: No presente artigo é realizada discussão acerca do tratamento dado, na historiografia brasileira, à escravidão indígena, na qual prevalecem abordagens que factualizam – como fim do trabalho escravo realizado pelos indígenas – a implantação da legislação pombalina. Neste estudo são ressaltadas as fontes existentes na região amazônica, que se encontram quase inexploradas, procurando-se contribuir para a desconstrução do mito que prevalece sobre a pouca expressão da escravidão indígena na história, a partir da análise de correspondência das autoridades das
Províncias e escritos de cronistas. Aponta ainda para o debate a respeito da permanência da escravidão do indígena na Amazônia, enquanto fato instituído, até o final do século XIX, exercendo um papel preponderante na economia da região e encontrando-se por vezes articulada a interesses de outras regiões do país.
Palavras-chave: Escravidão indígena. Amazônia. Corpo de trabalhadores.
Política indigenista no Império. Cronistas.
Introdução
Durante muito tempo foi lugar comum nos livros didáticos, e até mesmo na historiografia brasileira, dizer-se que o índio não foi escravizado, por não se adaptar à organização do trabalho imposta pelos colonizadores. Quando muito admitia-se que a incorporação do indígena ao trabalho escravo ocorreu apenas no início da colonização, sendo posteriormente substituído pelos povos africanos.
Na relação entre portugueses e indígenas, pulava-se do escambo para a conversão dos aldeamentos, com rápidas pinceladas de
Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.1, n.1, p.241-265, jul. 2004
ANDRÉ R. F. RAMOS
exotismo, tendo como referência para "abençoar este congraçamento entre os povos" a bula papal que reconhecia a humanidade dos bárbaros. Este pensamento generalista para as diversas regiões e para diferentes situações, apesar de francamente
difundido