A dramaturgia do imaginario
Maria Henriqueta Creidy SATT1
O presente artigo desenvolve uma reflexão acerca da obra de Jean Rouch que elaborou uma dramaturgia do imaginário e da fabulação, investindo na inclusão narrativa das memórias, desejos e devaneios de suas personagens. Dessa maneira, conduziu toda uma antropologia do sensível ao estatuto de documento. Mentor, junto com Edgard Morin, da tradição do cinema-verdade e de seu filme-manifesto Crônica de um verão, 1961, Jean Rouch problematiza, de forma precursora, a (im)possibilidade de representação do outro, colocando em cena elementos estéticos-conceituais atualizados de maneira impura e híbrida nos documentários contemporâneos. Uma das principais tradições do documentário moderno, o cinema-verdade francês, nasce sob o signo do encontro e do confronto. Através do produtor Anatole Dauman, Morin convida Rouch para fazerem um filme juntos em Paris e não mais na África, campo de pesquisa e da maior parte das produções do antropólogo antes e depois de Crônica de um verão2, 1961, filme-manifesto do cinema-verdade. Os dois haviam participado do 1º Festival Internacional do Filme Etnográfico de Florença, em 1959, e Morin voltara impactado com o que vira por lá: "tive a impressão que um novo cinema verdade era possível", afirma inspirado no kino-pravda de Vertov em sua depuração à utilização de atores, encenações e experimentações formais. No artigo-manifesto Pour un nouveau cinema-verité3 ,em 1960, exalta a necessidade de retomar experiências documentais que investissem na autenticidade do vivido, “penetrar para além das aparências e entrar no universo desconhecido do cotidiano”, desenhando desde já os princípios que formatariam o seu próprio filme com Rouch. Nessa época, Morin, antigo membro da resistência, expulso do partido comunista por ser anti-stalinista, editor da revista Arguments e admirador da obra de Rouch, já havia
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Professora do TecCine/Famecos/PUCRS, com doutorado na Escola de