A doutrina de Platão
Martin Heidegger
[203] O conhecimento que provém das ciências é, em geral, expresso em proposições e oferecido aos homens como conclusão palpável a ser utilizada. A “doutrina” de um pensador é o que em seu dizer restou não-dito, a que o homem é exposto, a fim de que, em troca, se desgaste sem medida.
Para que possamos experimentar e, depois, conhecer o não-dito de um pensador, seja de que tipo for, temos de refletir sobre o seu dito. Satisfazer essa exigência devidamente implicaria discutir todos os “diálogos” de Platão em sua interconexão.
Visto que isso é impossível, um outro caminho deve conduzir ao não-dito no pensamento de Platão.
O que nele permanece não-dito é uma mudança na determinação da essência da verdade. Que essa mudança se consuma, no que ela consiste, o que fica estabelecido através dessa transformação da essência da verdade é elucidado por uma interpretação da “alegoria da caverna”.
O sétimo livro do “diálogo” sobre a essência da pñliw (República VII, 514 a 2 até 517 a 7) começa com a exposição da “alegoria da caverna”. A “alegoria” conta uma história. A narrativa desdobra-se na conversa de Sócrates com Glauco: aquele expõe a história, este expressa o espanto que desperta. A tradução aqui oferecida esclarece, através das passagens entre parênteses, mais do que o texto grego.
[205] “Com efeito, observe isso: pessoas se detêm debaixo da terra, numa morada cavernosa. Esta dispõe, acima, na direção da luz do dia, de uma entrada que se estende ao longo dela, para a qual toda a caverna se orienta. Nesta morada, as pessoas têm seu paradeiro, acorrentadas pelas coxas e pelo pescoço, desde a infância. Por isso, também, permanecem no mesmo lugar, de modo que só lhes resta olhar para o que se lhes opõe frente à face. Todavia, já que estão acorrentadas, estão incapacitadas de girar a cabeça. Sem dúvida, um brilho de luz lhes é concedido, a saber, o de uma fogueira que arde detrás, acima e ao