A cultura da linguagem na obra de chico buarque

7298 palavras 30 páginas
“A multidão vai estar é seduzida”
(Ópera do Malandro, 1980)
Avant la lettre
“Tudo que é ligado à palavra me interessa”, declarou certa vez o artista Chico
Buarque de Hollanda (apud Bolle, 1980: 97). Não por acaso o tema da escrita domina sua produção poético-musical, sendo este o objeto de reflexão deste ensaio. Em Uma palavra (1989), a escrita de Chico Buarque pode ser descrita como
“Palavra prima/ Uma palavra só, a crua palavra/ Tudo/ Anterior ao entendimento, palavra” (Hollanda, 1989: 247). Em termos mais teóricos, podemos dizer que a obra de Chico Buarque, à luz da semiologia e da hermenêutica, seria um exemplo do grau zero da escrita e da fala, cujo valor simbólico reside na palavra em estado puro.
Daí advém a dificuldade em se pretender nomeá-lo, classificá-lo, ordená-lo. Afinal, sua língua, fugindo a toda caracterização absoluta, faz as próprias regras, normas e significado, o que aproxima a sua escrita ora da metáfora, ora da metonímia, ora da sinédoque, ora inda da ironia. Por exemplo, em Budapeste – romance cuja narrativa gira em torno da linguagem – quando o ghost writer enuncia que o magiar (húngaro) é “a única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita”
(Hollanda, 2003: 6), a ironia se aproxima da metáfora quando seu parentesco é com a metonímia1.
Essa escrita tão singular traz em si, no entanto, a marca da polifonia. Pode-se dizer de Chico Buarque o que Mário de Andrade dizia de si mesmo: Eu sou trezentos,
ALCEU - v. 9 - n.18 - p. 131 a 147 - jan./jun. 2009
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sou trezentos-e-cincoenta. Cantor, compositor, poeta, teatrólogo e romancista, Chico
Buarque é um artista ímpar no Brasil contemporâneo. Poucos produziram obra tão ampla e variada quanto a sua. Mas, em meio a todos esses Chicos, parece haver um que, curiosamente, permanece invisível. Talvez, porque óbvio demais, familiar demais. Trata-se do Chico Buarque arquiteto.
O fato deste ex-estudante de

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