a criação da histéria
Na realidade, porém, meu labor lá foi unicamente o de fotógrafo; eu registro o que vejo.
Charcot
Durante muito tempo, a histeria representou um grande fantasma para a medicina. A dificuldade é decorrente da impossibilidade objetiva de obtenção de uma causa. Uma aporia, posto que não existe lesão neurológica correspondente aos sintomas e que pudesse ser identificada como causa. Seria um transtorno das sensações? Transtorno da alma ou do humor? Como um mal 'feminino', haveria algum vínculo entre a histeria e a menstruação? Mal sem causa, com leis próprias, a histeria fez vacilar a inteligibilidade médica da Belle Époque.
Em A invenção da histeria, Huberman procura estudar não o sentido do tempo da representação da histeria, mas sim o tempo do sentido dessa imagética: o que viabilizou a emergência desse discurso visual. Ao (re)constituir o lugar conceitual em que essa emergência se tornou possível, não está preocupado com o conteúdo de um saber que é específico (psiquiátrico), mas sim com a própria emergência histórica de um novo objeto de saber que a representação da histeria obviamente representou. Só depois que um determinado objeto de saber aparece é que se pode produzir a formação de um conceito. Nesse sentido, pensar a história da emergência da imagem da histeria em Charcot significa (re)ver a história de sua definição. Para o autor, essa implicação não foi abstrata e teria desencadeado uma maneira específica de comunicar e, principalmente, produzir conhecimento, dentro de um método de códigos que foram, ao mesmo tempo, momentos históricos da imagem: o objeto (imagem) não existe fora de práticas que o constituem como tal.
Na história da medicina, Charcot ocupa posição lendária. Trabalhando em La Salpêtrière desde 1862, foi nomeado professor de anatomia patológica em 1872 e em 1881 conseguiu, com os