A construção do medo na cidade do Rio de Janeiro à época do Império
“Isto he tanto mais para temer no nosso paiz em razão dessa gente, a quem o estado da escravidão faz com que nos olhem como seus naturaes inimigos, e que pela mesma situação, em que se achão, são impellidos por paixões ferozes”.
Tal excerto, retirado do jornal Aurora Fluminense, que circulava nos tempos do Brasil Imperial (1822-1889), retrata de forma fiel o sentimento da elite carioca, branca e católica, em relação aos escravos à época. Ponto chave para entender o sentimento de histeria e medo que vai tomando conta do imaginário das elites fluminenses no século XIX é a revolta dos Malês (1835), ocorrida em Salvador, por seu caráter político e organizado, que demonstra um incipiente fortalecimento dos negros escravos de religião muçulmana como classe. Obviamente, o movimento, constituído em torno de 500 pessoas, foi massacrado pelas forças do Estado. Contudo manteve-se aceso nas mentes mais conservadoras e reacionárias da sociedade, potencializando o medo que já existia devido ao “haitianismo”. Daí se intensifica a imensa exploração do medo como meio de controle social, que perdura, até hoje, nas favelas cariocas.
Como se sabe, a manipulação dos medos coletivos é um instrumento de grande valia para que as classes dirigentes possam legitimar suas ações autoritárias, pois o medo domestica e torna aceitável que se feche os olhos para arbitrariedades quando estas são feitas em prol de um bem maior, que é a extirpação daquilo que causa o medo. Esse raciocínio tipicamente maniqueísta e utilitarista, bem como o uso de teorias cientificistas, é central no processo de legitimação de ações higienistas posteriormente tomadas no Rio Imperial, por meio do uso do chamado biopoder. Por biopoder, entende-se o tipo poder que advém da necessidade de controle de subespécies humanas, que são classificadas pormenorizadamente por meio de critérios pretensamente científicos. É nesse contesto que a frenologia lombrosiana ganha espaço, relacionando