A burca e seu olhar antropológico
Em discurso no dia 22 de junho de 2009, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, condenou em discurso o uso da burca, traje utilizado por algumas mulheres da religião mulçumana, argumentado que a burca "reduz a mulher à servidão e ameaça a sua dignidade". Para Sarkozy, a burca "não é um sinal de religião, mas de subserviência" e não é "bem-vinda" na França. A república francesa não poderia aceitar que haja "mulheres presas atrás de redes, eliminadas da vida social, desprovidas de identidade" em seus espaços e, no momento, o Executivo francês apóia a criação de uma comissão parlamentar para estudar a proibição do traje nos espaços públicos do país. O que estaria em jogo seriam os direitos humanos da mulher e a igualdade de gênero, de modo que uma das missões da comissão parlamentar seria investigar se o uso da burca ou do véu se dão por adesão voluntária das mulheres mulçumanas ou por coerção da comunidade, dos maridos etc. Vou realizar aqui uma tentativa de iluminar a discussão por uma perspectiva antropológica, argumentado uma visão menos ingênua dos direitos humanos das mulheres e a respeito da juridicização de questões sensíveis à diversidade religiosa e cultural. Há uma lógica que comanda a juridicização do uso da burca e que não está necessariamente baseada em uma noção de dignidade da pessoa humana e da mulher, mas em um corpo de normas e regras e sanções (não apenas no sentido jurídico) próprios a uma sociedade determinada. O arranjo dos chamados direitos humanos, e em especial no tocante à mulher, não existe fora de um sistema de valores e crenças sociais – o direito expressa conceitos culturais – e talvez a discussão se beneficiaria da explicitação desse sistema e sua avaliação de um ponto de vista normativo, da qual a avaliação do sistema islâmico não pode ser dissociada, sob rico de se tornar tirânica e imperialista. Devemos nos conscientizar do papel dos direitos humanos como projeto hegemônico ocidental;