A Arte da Guerra Maquiavel
João Carlos Brum Torres
Em 29 de agosto de 1512, tropas mercenárias espanholas integrantes da chamada Liga Santa, a soldo de Lorenzo II de Médicis, duque de Urbino, e do Papa Júlio II, derrotaram os florentinos em
Prato e puseram fim à breve independência republicana que Florença conquistara em 1494, justamente contra a Casa de Médicis. Na ocasião, Maquiavel, secretário da Chancelaria da República de Florença, um dos grandes notáveis da cidade, foi preso, torturado e, finalmente, em 4 de abril de 1513, liberado, tendo então se retirado para sua propriedade de Sant’Andrea in Percussina, comuna de San Casciano, em Val di Pesa, na Toscana.
Foi nos anos desse retiro forçado – que se estendeu de 1513 a 1520 – que Maquiavel escreveu as suas três grandes obras teóricas: O Príncipe (1513), Comentários sobre a Primeira Década de Tito
Lívio (1513-1521) e A Arte da Guerra (1519-1520).
Comentando sua rotina nesse período de vida privada e de criação – cujos dias eram dedicados ou ao trato dos assuntos de sua propriedade ou a charlas e carteados na hospedaria do lugar –, Maquiavel dá uma idéia viva da intensidade de sua vida intelectual ao relatar o que se passava consigo à noite, ao adentrar na solidão de seu escritório: no umbral me despojo da indumentária quotidiana, suja e embarrada, e me ponho em roupas régias e curiais, e, vestido assim dignamente, entro nas antigas cortes dos homens antigos, onde, queridamente acolhido, me alimento dessa comida que “solum” me pertence e para a qual nasci (....). [1]
A metáfora das vestes talares e desses alimentos refinados e exclusivos remete manifestamente às lições dos grandes clássicos antigos, sobretudo dos historiadores e muito especialmente de Tito Lívio, sob cuja inspiração foram escritos os Discorsi[2] e que tinham como iguaria especialmente distinguida para o gosto de Maquiavel os temas políticos e militares. O sentido da distinção, da distinção pessoal, é manifesto nessa passagem, onde se percebe