A Arca E A Estacao
A Antonio Candido e ao José Maria Cançado com quem, em memoráveis conversas de bar, formei as minhas idéias sobre a cultura brasileira.
A tese que iremos defender é que a cultura brasileira, em seu pluralismo universalista de raiz, já cumpriu em seus fundamentos aquilo que a política brasileira ainda não foi capaz de realizar, isto é, a republicanização do Brasil.
Antes de ser exposta argumentativamente, ela deveria ser explicada em seus termos de composição.
É justo falar assim no singular de um cosmos tão fraturado socialmente, tão descontínuo em sua construção histórica, por momentos quase anulado em suas agônicas promessas de civilização pelas reiteradas incursões da barbárie ?
Penso que sim, no sentido que lhe dava Machado de Assis em seu ensaio crítico “Instinto de nacionalidade”, de 24 de março de 1873, referindo-se a um certo sentimento íntimo capaz de revelar uma identidade brasileira, mesmo quando tratasse de “assuntos remotos no tempo e no espaço”. Já ele alertava que “esta outra independência não tem Sete de Setembro nem Campo de Ipiranga ; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas ; muitos trabalharão para ela até perfazê-la de todo”. Nesta perspectiva, o trabalho da cultura nunca se cumpre porque refaz-se permanentemente no tempo e no espaço socialmente inscritos.
Falamos em seguida de um “pluralismo universalista de raiz”. Expliquemo-nos. Ser pluralista é ser capaz de transformar até que o que, no limite, ameaça cindir em riqueza de possibilidades existenciais.