VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU A LÓGICA DO GALINHEIRO
Heleieth I. B. Saffioti
DO GALINHEIRO
Um galinheiro sempre se organiza hierarquicamente, isto é, há nele uma "ordem das bicadas". Essa hierarquia garantirá sempre o maior poder para o galo. Pensando-se em um galinheiro com dez galinhas e um galo, a "ordem das bicadas" não apenas permite ao galo a posse sexual de todas as galinhas, como também lhe assegura o direito de bicá-las todas, isto é, praticar violência.
Uma das galinhas, a número 1, ou a “favorita”, como se diz quando se trata de um harém (um homem e várias mulheres), é bicada pelo galo, mas desfruta do direito de bicar as outras nove. A número 2 é bicada pelo galo e pela galinha número 1, podendo bicar as outras oito. A número 3 é bicada pelo galo e pelas galinhas números 1 e 2, bicando as demais, e assim sucessivamente. A galinha número 10, a última, é a que mais sofre, pois é bicada pelo galo e por todas as demais galinhas, não podendo bicar nenhuma. Assim, a hierarquia começa no galo e termina na 10ª galinha. O galo é o mais poderoso, detendo as galinhas de número 1 ao 9 diferentes parcelas de poder, estando a 10ª excluída dessa possibilidade. A última na hierarquia poderia até ser comparada com as pessoas que moram nos ruas, não tendo o que comer nem direito algum. Trata-se dos excluídos do mercado do desenvolvimento, enfim, excluídos dos direitos humanos mais elementares.
Dessa forma, um galinheiro é estruturado segundo uma escala de poder. No exemplo figurado foi estabelecida uma "ordem das bicadas", que pode ser muito duradoura, mas que pode, também, sofrer transformações. Se for introduzido um novo galo nesse terreiro, o galo número 1 fará tudo para manter seu poder no território. Os dois galos podem brigar até que um deles morra. Nesse caso, o sobrevivente torna-se "dono" do terreiro, dominando todas as galinhas. Mas pode ocorrer um empate na luta, quando, então, os galos dividem em dois o território original. Cada galo manda em um deles.
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