Via Láctea
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas viaQue, aos raios do luar iluminada,Entre as estrelas trêmulas subiaUma infinita e cintilante escada.E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cadaDegrau, que o ouro mais límpido vestia,Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,Ressoante de súplicas, feria...Tu, mãe sagrada! vós também, formosasIlusões! sonhos meus! Íeis por elaComo um bando de sombras vaporosas.E, ó meu amor! eu te buscava, quando Vi que no alto surgias, calma e bela, O olhar celeste para o meu baixando...
II
Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,Me ouves agora com melhor ouvido:Toda a ansiedade, todo o mal sofridoEm silêncio, na antiga desventura...Hoje, quero, em teus braços acolhido,Rever a estrada pavorosa e escuraOnde, ladeando o abismo da loucura,Andei de pesadelos perseguido.Olha-a: torce-se toda na infinita Volta dos sete círculos do inferno... E nota aquele vulto: as mãos eleva,Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita, Buscando um coração que foge, e eterno Ouvindo-o perto palpitar na treva.
III
Tantos esparsos vi profusamentePelo caminho que, a chorar, trilhava!Tantos havia, tantos! E eu passavaPor todos eles frio e indiferente...Enfim! enfim! pude com a mão trementeAchar na treva aquele que buscava...Por que fugias, quando eu te chamava,Cego e triste, tateando, ansiosamente?Vim de longe, seguindo de erro em erro, Teu fugitivo coração buscando E vendo apenas corações de ferro.Pude, porém, tocá-lo soluçando...E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.
IV
Como a floresta secular, sombria,Virgem do passo humano e do machado,Onde apenas, horrendo, ecoa o bradoDo tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia, Assim também, da luz do amor privado,Tinhas o coração ermo e fechado, Como a floresta secular, sombria...Hoje, entre os ramos, a canção sonora Soltam festivamente os passarinhos. Tinge o cimo das árvores a aurora...Palpitam flores, estremecem ninhos... E o sol do amor, que