Versos Íntimos - Análise
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Vocabulário
Quimera: sonho, fantasia, ilusão.
Vil: reles, ordinário, desprezível, infame.
O poeta paraibano Augusto dos Anjos nasceu em 1884 e faleceu em 1914. Seu único livro foi publicado em 1912, e ostenta um título bem marcante e incomum: Eu. Em sua poesia, convergem as contribuições do Realismo, do Parnasianismo, do Naturalismo e do Simbolismo, além de certos elementos que a crítica literária reconhece como vinculáveis à orientação modernista (a desvinculação da palavra poética do seu compromisso com o belo, a utilização de frases nominais e de recursos impressionistas e expressionistas).
Seus poemas, impecavelmente rimados e metrificados, segundo o gosto parnasiano, se caracterizam ainda pelo estranho vocabulário de que se servem, procedente da linguagem das ciências naturais e das correntes filosóficas cientificista da segunda metade do século XIX (evolucionismo de Darwin, determinismo de Taine, positivismo de Comte).
Nos Versos Íntimos, por exemplo, temos um soneto decassílabo com um esquema regular de rimas, o que indica a preocupação formal comum aos estilos parnasiano e simbolista. Do Parnasianismo, há também, no poema, a discursividade, o tom quase prosaico da linguagem, uma estruturação sintática precisa, objetiva.
Entretanto, se lermos em voz alta, sentiremos a sua força rítmica, musical, que nos faz pensar no Simbolismo, tanto quanto o uso de letras maiúsculas nos substantivos comuns (Ingratidão, Homem).
Um terceiro