Um policial organiza seus arquivos
2338 palavras
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Um conjunto de relatórios de um inspetor do comércio livreiro francês sobre os escritores da cidade de Paris no século XVIII. Esses relatórios - material empírico, documento primário – formado por pequenas biografias, informações sobre publicações e comentários pessoais sobre escritores investigados pela policia formam uma narrativa, contam uma história. Uma história construída a partir da visão de mundo de uma autoridade burocrática do Antigo Regime e inscrita numa estrutura de significados. Uma outra narrativa é construída por um outro autor – o historiador Robert Darnton – a partir da compilação das informações fornecidas pelo inspetor e que possibilitam o delineamento do perfil dos intelectuais do Alto Iluminismo. Esta narrativa é a identificação, análise e interpretação das estruturas de significação. Escolher códigos estabelecidos em uma determinada cultura e identificar de que forma estes são produzidos, lidos e interpretados pela mesma, qual a sua importância no contexto social e como os mesmos são transmitidos são os procedimentos da descrição densa (GEERTZ: 1989). A classificação dos literatos seguindo as informações do policial em seus relatórios - local de nascimento, idade, ocupação social -, possibilitaram a Darnton, num primeiro momento, esboçar um perfil dos intelectuais no período do Alto Iluminismo. Mas não foram considerados por ele elementos suficientes para uma interpretação sobre o funcionamento do mundo literário e as regras do jogo na chamada República das Letras. Para além destes dados, digamos, estatísticos, os relatórios também contém pequenas histórias e comentários a respeito dos escritores do período. Se consideramos os relatórios como narrativa e o policial como um autor, não podemos esquecer que a mesma está imbuída de uma visão construída socialmente acerca dos escritores, sendo então necessário dar atenção ao discurso produzido pelo nosso policial acerca dos seus investigados. O discurso é o ponto a ser discutido neste