Um diário no sentido estrito do termo
Diários no sentido irrestrito do termo: memórias virtuais de cidades reais
Bianca Freire-Medeiros, Palloma Menezes e Fernanda Nunes
Resumo
Promover viagens a localidades associadas à pobreza em diversas partes do mundo tornou–se um negócio lucrativo que provoca debates éticos em torno da associação entre lazer e miséria. Muitos dos que consomem a pobreza como atração turística não estão alheios a esses debates e fazem questão de tornar públicas suas reflexões sobre o tema em travelblogs. Neste artigo são examinados os aspectos imagéticos e discursivos de quatro blogs que narram experiências de contato com a pobreza turística em duas localidades distintas: Rocinha (Rio de Janeiro, Brasil) e Soweto (Joanesburgo, África do Sul). O objetivo mais geral é mostrar os impactos que a experiência de turismo em localidades pobres gera na imagem de cidade que esses turistas produzem. Palavras-chave Turismo. Pobreza. Travelblogs. Rocinha. Soweto.
1 Introdução
Em fins dos anos 1960, era lançado Um diário no sentido restrito do termo, de Bronislaw
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Por iniciativa e decisão de sua esposa, as notas íntimas de Malinowski tornaram–se públicas e de imediato sacudiram o espaço acadêmico1. No diário, que cobre parte do trabalho de campo do antropólogo junto aos mailu e aos trobriandeses, o criador do método da observação participante emerge quase irreconhecível a seus leitores, acostumados com suas ponderações lúcidas e equilibradas2. Ao longo de quase 300 páginas, Malinowski revela encantamentos, impaciências e sonhos obscenos; mostra–se seduzido pelos nativos, mas também cansado deles. Queixa-se da
Bianca Freire-Medeiros | freiremed@hotmail.com
Doutora em História e Teoria da Arte e da Arquitetura pela Binghamton University, SUNY. Pesquisadora da Fundação Getulio Vargas – FGV.
solidão, do mau-cheiro, da comida, do malestar típico do estado de suspensão entre duas culturas. Como é próprio dos diários íntimos, a escrita