Trecho "A alma de Leonardo da Vinci"
Os movimentos da água
Leonardo da Vinci
E
ntre os quatro elementos clássicos, a água era o que, de longe, mais fascinava Leonardo. A vida inteira ele estudou seus movimentos e fluxos, desenhou e analisou suas ondas e vórtices, especulou a respeito de seu papel como o “veículo da natureza” (vetturale della natura) por excelência no macrocosmo da Terra viva e no microcosmo do corpo humano.1
As notas e desenhos de Leonardo que ilustram suas observações e ideias sobre o movimento da água enchem centenas de páginas dos cadernos de notas. Incluem esquemas conceituais minuciosos e partes de tratados no Codex Leicester e nos Manuscritos F e H, bem como incontáveis esboços e anotações disseminados pelo Codex Atlanticus, o Codex Arundel, a Coleção Windsor, os Codices Madrid e os Manuscritos A, E, G, I, K e L.2 A quantidade de escritos de Leonardo sobre a água obviamente impressionou os contemporâneos e as sucessivas gerações de historiadores. Na verdade, afora a pintura, a água foi o único tema do qual se fez uma extensa compilação de transcrições manuscritas de seus cadernos de notas. A coleção de notas, transcritas no século
XVII em 230 fólios, foi publicada em 1828 em Bolonha, com o título de Della Natura, Peso, e Moto dell’Acque (“Da Natureza, Peso e Movimento da Água”).3
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VEÍCULO E MATRIZ DA VIDA
Há várias razões pelas quais Leonardo era tão fascinado pela natureza e os movimentos da água. Creio que, em última análise, todas têm algo a ver com seu empenho persistente em entender a natureza da vida, que inspirou tanto sua ciência quanto sua arte. A ciência de Leonardo é uma ciência de formas vivas, orgânicas, e ele reconheceu claramente que todas as formas orgânicas são sustentadas e nutridas pela água: “Ela é a expansão e o humor de todos os corpos vivos. Sem ela nada retém sua forma original.”4
O termo “humor” é usado aqui no sentido medieval de fluido corporal nutritivo. Em outro caderno de notas,