Trajetoria de Praxis
Gosto muito de ler crônicas. Dentre as minhas preferidas está “A velha contrabandista”, de Stanislaw Ponte Preta. É a história de uma senhorinha que diariamente cruzava a fronteira do país guiando uma lambreta. O detalhe curioso é que, na garupa da lambreta, ela carregava um enorme saco cheio de areia, que despertava a atenção e a desconfiança dos fiscais da alfândega. Por conta disto, diariamente a revistavam, esvaziando o saco à procura de alguma pista ou evidência de contrabando. No entanto, as operações fracassavam sucessivamente.
Um dia, consumido pela desconfiança e curiosidade, um fiscal daqueles que após 40 anos de serviço conhece o ofício como poucos, abordou a velhinha e, num tom quase de súplica, lhe propôs um acordo mais ou menos nestes termos: “Eu prometo deixar a senhora passar e mantenho segredo de tudo, se me confidenciar qual é o contrabando que todos os dias a senhora passa por aqui”. A velhinha, após se assegurar de que o fiscal manteria sua palavra, revelou-lhe o segredo: “É a lambreta”.
Gosto desta crônica porque ela denuncia de forma inteligente e bem-humorada um sério defeito que, sem nos darmos conta, possuímos: uma grave limitação visual. De fato, temos enorme dificuldade de enxergar para além da visão objetiva. Nosso olhar parece estar restrito ao padrão do aparente, condicionado a ver segundo o critério do explícito, (ao contrário do Pequeno Príncipe, que aprendeu que “o essencial é invisível aos olhos”). Via de regra, nossos olhos se deixam capturar pelo suspeito, pelos “sacos de areia”, e desconsideram totalmente as “lambretas”. Nossa enfermidade tem nome: miopia – “vista curta, estreiteza de visão, falta de perspicácia”.
A miopia é um distúrbio de refração em que os raios luminosos formam o foco antes da retina dos olhos. Na prática, impede a visão nítida de objetos situados distante do observador e, bem por isso, é uma doença popularmente conhecida como "vista curta". Para que um míope enxergue focos à distância